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CRÔNICAS DO SÉCULO 21

Somente o necessário


"No meio do processo, o laptop zerinho travou de um jeito tão esquisito que ficou fazendo um barulho estridente. Guilherme olhava a máquina que tinha custado alguns milhares de reais com ar desolado. Eu não sabia onde me enfiar"

Ricardo Anderáos*

Estava trabalhando no jornal quando meu computador fez aquele barulho indicando que haviam chegado novos e-mails. Entre as mensagens, uma anunciava a nova versão de testes do programa de comunicação por voz e mensagens instantâneas Skype, apelidada de 3.0 beta.

“Olha só, um novo Skype! Vamos instalar?”, perguntei para o colega Guilherme Werneck, que fica na mesa em frente.

“Nem a pau”,

disparou ele, meio mal humorado.Também, pudera. Há algumas semanas ele baixou uma nova versão do programa iTunes, que controla o tocador de música digital iPod, da Apple, e o software fez uma bagunça danada na coleção de músicas do Guilherme.Justo ele, coitado, fissurado em um som, bambambã dos podcasts e guru musical de uma penca de gente bem informada. Alguns dias depois, a Apple soltou um conserto para o problema no novo iTunes.

Mas a zona com as músicas do Guilherme estava feita.“Olha”, repliquei, “aqui diz que esse novo Skype tem novas salas de bate-papo de voz públicas. Isso bem que pode ser legal”. “Ai, será?”, perguntou ele. O fato é que o Guilherme já foi picado pelo bichinho da novidade, como a imensa maioria dos usuários de computador. Dez minutos depois de dizer que não o faria, lá estava ele fuçando as novidades do Skype.

E olha que eu, que inventei a história, nem tive tempo de instalar o meu primeiro. Claro que fui obrigado a segui-lo. E assim perdermos mais meia hora tateando nas novidades da nova versão do programa.

O admirável mundo novo digital é cheio dessas roubadas. Quantas noites perdi instalando ou desinstalando programas que não me faziam a menor falta! É uma espécie de compulsão, parece fácil, é só clicar, e quando a gente se dá conta começou um processo que não pode parar e demora um tempão.Há alguns meses enfiei o Guilherme numa enorme roubada por causa dessa nossa mania de ficar testando tudo quanto é software que aparece. Era tarde e estávamos quase saindo da Redação.

Ele ia desligar o novo laptop que tinha acabado de comprar, quando eu resolvi mostrar para ele um software de planetário virtual que uso há algum tempo, chamado Starry Night.Como eu estava com o CD do programa na mochila, sugeri: “Porque você não coloca no seu computador?”. Guilherme não teve dúvida: enfiou o CD no laptop e começou a instalação, ao mesmo tempo em que me mostrava um vídeo que gravou com seus filhos.Inexplicavelmente, no meio do processo, o laptop zerinho travou de um jeito tão esquisito que ficou fazendo um barulho estridente.

E quando a máquina foi reiniciada, quem diz que ela funcionava? Na primeira tela do Windows dava pau de novo e reiniciava sozinho. Guilherme olhava a máquina que tinha custado alguns milhares de reais com ar desolado.

Eu não sabia onde me enfiar.Na assistência técnica descobriram que o computador estava o.k., mas era preciso reinstalar o sistema operacional. Mas, como o laptop era novo, Guilherme ainda não tinha gravado o conjunto de CDs de recuperação, já que o kit vinha dentro do computador.Laptop é um bicho enjoado que não aceita qualquer Windows, só o kit que vem de fábrica. Resultado: ele teve que comprar um jogo de CDs nos EUA, através de uma amiga, que mandou tudo pelo correio.

Guilherme gastou uma grana preta e ainda ficou uns 15 dias sem seu laptop.Nossa amizade sobreviveu ao incidente. Mas, por essas e por outras, tenho cada vez mais a sensação de que preciso me livrar do vício de instalar no meu micro tudo que vejo pela frente.

Como cantava o urso Balu no clássico desenho animado Mogli, o Menino Lobo, no computador o melhor é a gente colocar o “necessário, somente o necessário; o extraordinário é demais”.

*anderaos@estadao.com.br

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